tag:bmborges.svbtle.com,2014:/feedOs Capitalismos2015-06-18T18:59:45-07:00Bruno Borgeshttps://bmborges.svbtle.comSvbtle.comtag:bmborges.svbtle.com,2014:Post/um-texto-sobre-podcasts2015-06-18T18:59:45-07:002015-06-18T18:59:45-07:00Um texto sobre podcasts<p>Há alguns anos, adquiri o hábito de ouvir podcasts. A partir daí, acabei descobrindo alguns muito bons e decidi compartilhar minhas listas. Escrevi dois textos no <a href="https://medium.com/@borgesbm" rel="nofollow">Medium</a> sobre o tema.</p>
<p>O primeiro, “Algumas Dicas sobre Podcasts”, está <a href="https://medium.com/@borgesbm/algumas-dicas-sobre-podcasts-253af572efe2" rel="nofollow">aqui</a>. </p>
<p>O segundo, “Alguns Podcasts em Português”, está <a href="https://medium.com/@borgesbm/alguns-podcasts-em-portugu%C3%AAs-de909073117d" rel="nofollow">aqui</a>.</p>
tag:bmborges.svbtle.com,2014:Post/as-chaves-e-as-portas2015-02-20T11:57:55-08:002015-02-20T11:57:55-08:00As Chaves e as Portas<p>Desde que as primeiras denúncias feitas por Edward Snowden sobre os programas de espionagem da NSA foram divulgadas, vivemos sob uma sensação de constante fadiga de informação. A sucessão constante de denúncias sobre novas maneiras de monitoramento em massa feitas do recolhimento e processamento de dados (ou metadados, como preferem falsamente restringir as agências de segurança norte-americanas) nos forçou a manter uma atitude de descolamento da realidade. O sentimento é de conformidade: se não há nada a fazer contra os superpoderes tecnológicos, procuramos ignorar o tema e nos convencer de que nossas vidas são por demais banais para serem investigadas ou levadas a sério pelas autoridades. Afinal, “só aqueles que fazem algo errado têm algo a temer” é a justificativa mais conveniente.</p>
<p>Alguns críticos procuraram frisar algo real: as revelações de Snowden, embora importantíssimas e cruciais, estão longe de ser surpreendentes. Os EUA sempre espionaram, assim como outros países. Não há inocentes nesse jogo e qualquer vantagem conseguida a partir de potencial tecnológico é normalmente usada para manter a distância e segurança dos países. Esse argumento sempre me pareceu mais razoável: quando o relatório acusando a CIA de praticar tortura durante o governo Bush saiu, a imprensa norte-americana mostrou choque diante da suposta “novidade”: cidadãos/soldados norte-americanos torturando para obter informações como política declarada?? Qualquer latino-americano com um mínimo de informação histórica sabe que os americanos não só treinavam oficiais da região em técnicas de tortura nas décadas de 50, 60 e 70, mas também monitoravam e trocavam informações sobre a captura de “subversivos”. Nada novo aqui. Assim como as outras práticas da política, os EUA sempre foram tão realistas quanto os outros. O máximo que aconteceu após todas as revelações foi apenas o <a href="http://www.foreignaffairs.com/articles/140155/henry-farrell-and-martha-finnemore/the-end-of-hypocrisy" rel="nofollow">“fim da hipocrisia”</a>, na expressão feliz de Henry Farrell e Martha Finnemore. </p>
<p>Embora o fato de não ser surpreendente o uso da tecnologia para esses fins, as notícias que continuam sendo divulgadas sobre a NSA/CIA continuam sendo brutais. Ontem, <a href="https://firstlook.org/theintercept/2015/02/19/great-sim-heist/" rel="nofollow">em um excelente artigo</a> no <a href="https://firstlook.org/theintercept/" rel="nofollow"><em>The Intercept</em></a>, Jeremy Scahill e Josh Begley explicam, a partir de documentos de Snowden, como as agências de segurança norte-americanas conseguiram roubar os códigos de criptografia da maior empresa fabricante de chips de telefonia, a <a href="http://www.gemalto.com/" rel="nofollow">Gemalto</a>, que produz 2 bilhões de chips por ano. Em uma metáfora simplista, é como se a NSA e CIA tivessem roubado as chaves para todas as portas do mundo. Todas as informações de nossos telefones celulares, voluntárias ou não, são recolhidas e compiladas em um banco de dados grandioso e esses dados são constantemente minados para encontrar as mais diversas conexões possíveis. Para isso, as agências não precisam forçar as empresas de tecnologia a fornecer dados – esses dados são interceptados diretamente de seu telefone, todo o tempo, a qualquer hora. </p>
<p>Foi-se o tempo em que os dados que produzíamos eram apenas as nossas conversas telefônicas. Os celulares modernos são máquinas de rastreamento constante, assim como sensores apurados de monitoramento do corpo e do movimento. Eles transmitem onde estamos, com quem estamos e com quem queremos estar. Já é um <em>meme</em> comparar a vida atual com o <em>1984</em> de Orwell e, realmente, talvez a comparação não seja mesmo tão boa. O que mais me assusta é a compilação desses dados de forma personalizada e <strong>ao mesmo tempo de forma indiscriminada e controladora</strong>. É banal sabermos, por exemplo, que <a href="http://americablog.com/2013/03/facebook-might-know-youre-gay-before-you-do.html" rel="nofollow">o Facebook conhece mais sobre cada indivíduo do que ele mesmo</a>. Damos voluntariamente muitos de nossos dados porque percebemos ganhos com isso em conveniência, mas estamos longe de perceber o quanto somos ignorantes ao traçar a linha do que é permitido ou não. É como se fossemos o sapo na panela de fervura lenta, que só percebe que vai morrer quando é tarde demais. </p>
<p>Essa perda de controle sobre nossas vidas individuais não é algo apenas ligado à tecnologia. Em <a href="http://www.amazon.com/Rise-Warrior-Cop-Militarization-Americas/dp/1610394577" rel="nofollow">um livro maravilhoso</a>, <em>Rise of the Warrior Cop: The Militarization of America’s Police Forces</em>, Radley Balko descreve exatamente o mesmo processo no que diz respeito à progressiva dessensibilização quanto ao papel que a polícia deve ter em nossas vidas cotidianas, por exemplo. É claro que o exemplo que ele dá é o norte-americano, mas poderíamos tranquilamente extrapolar o argumento: eu ainda me lembro da época em que os policiais do Rio de Janeiro andavam de uniformes azul claro (não pretos, como hoje) e portavam um revólver calibre 38 (e não fuzis – armas de guerra – para fora dos carros). O processo é o mesmo: cedemos aquilo em que acreditávamos por conveniência ou segurança. É não custa lembrar da famosa frase de Benjamin Franklin, profundamente sábia: “Aqueles que abrem mão da liberdade em troca de segurança não terão, ou merecem, nenhuma das duas.” </p>
<p>Estou muito longe de ser um ludita. Pelo contrário, sou um tremendo entusiasta das possibilidades do mundo moderno e de suas ferramentas. Mas <a href="http://evgenymorozov.com/writings.html" rel="nofollow">achar que as soluções para um mundo melhor vem de uma aceitação acrítica das inovações tecnológicas é bastante ingênuo</a>. E cada vez mais perigoso. </p>
tag:bmborges.svbtle.com,2014:Post/brincando-com-o-poder2015-02-05T06:13:00-08:002015-02-05T06:13:00-08:00Brincando com o Poder<p>Há 20 anos, estou dentro da Universidade sob diversas condições. Já fui aluno de graduação, mestrando (aqui e no exterior), doutorando (aqui e no exterior), professor horista, coordenador e professor de pós-graduação <em>lato senso</em> e pós-doutorando. Isso significa que já tenho alguma estrada (e observação participante) para apreciar e criticar os hábitos dessas instituições humanas, demasiadamente humanas. Como qualquer instituição, as universidades são compostas por seres humanos falhos, vaidosos, mas também generosos e brilhantes. O meu ponto é que há sempre grandes virtudes e enormes enganos. </p>
<p>Uma das práticas que observei durante todos esses anos dentro da universidade é um ritual que está tão entranhado na cultura universitária que raríssimas vezes, <em>inclusive entre meus colegas</em>, há algum tipo de questionamento sobre sua existência. O trote universitário repete-se com a regularidade de um relógio suíço e, apesar das repetidas advertências formais contra a prática, há uma cultura da permissividade, como se a sua existência fosse tão natural quanto o jogo do bicho ou o uso de Havaianas em aviões. É uma “não-questão”, para alguns talvez um incômodo que tem que ser tolerado sem maiores reflexões. (Muitos colegas, inclusive, tem a prática – por vezes incentivada pelas coordenações acadêmicas! – de “liberar” suas turmas para a prática do trote.)</p>
<p>Quero dizer que já tive tempo suficiente para pensar a respeito e, desde então assumi uma posição maximalista sobre o tema: <strong>a prática do trote, mesmo em suas versões mais <em>light</em> e “caridosas”, tem que ser banida e seus praticantes devem sofrer penalidades legais contra isso.</strong> Antes que me acusem de um radicalismo sem sentido, peço para que reflitam sobre o tema seriamente por alguns momentos. </p>
<p>O trote é, na sua essência, um exercício ritualístico do exercício do poder e da exposição de sua assimetria. Como cientista político, é impossível deixar de perceber a dinâmica. Há uma divisão baseada em antiguidade/idade/ressentimento que se afirma <strong>obrigando</strong> os calouros a se submeterem a penalidades. É isso. Mesmo que aqui algum crítico argumente que os calouros são livres para não participar, esse argumento é tão falacioso quanto o argumento liberal que diz o trabalhador “é livre” para procurar um emprego melhor se não está satisfeito. Há uma estrutura social que condiciona e constrange a ação dos atores, especialmente meninos e meninas jovens que ainda nem entendem o que é uma universidade e estão tentando “fazer parte” e se instituicionalizar. Recusar participar logo de cara é encarado como pirraça e como falta de sociabilidade, o que poucos estão preparados para assumir.</p>
<p>É preciso lembrar com toda a força que essa exibição de assimetria de poder acontece <em>no Brasil</em> e dentro do ambiente universitário, ainda extremamente marcado pela presença de uma elite social, econômica e política. É como se déssemos autorização para que um grupo específico exerça seu poder <em>sem qualquer constrangimento</em>, deixando vir à tona séculos de racismo, machismo, classismo, covardia, sadismo e violência que estavam reprimidos pela vida social “normal”. Lembro, inclusive, que isso acomete homens E mulheres, sem distinção aqui na ofensa aplicada. A lógica de que “a tradição deve ser mantida” se afirma exatamente nesses momentos, revelando perfeitamente a hierarquia social. Pois bem, encena-se, publicamente, um exercício de humilhação e submissão, que é mascarado pelos argumentos de que “gerariam coesão”, “aproximariam os alunos do curso”, “criaria um ambiente de coleguismo”. Aqui, é impossível não parar e rir tragicamente disso. Há centenas (talvez milhares) de outras maneiras de se gerar esses efeitos sem submeter outros a humilhações. Já experimentaram convidar alguém para conversar e tomar um chope?</p>
<p>A prática do trote é agressão pública e organizada. Não há como definir de outra maneira. Não há como dourar a pílula sem recair em argumentos que levam à suposta “diversão” ou “brincadeira”. <strong>Não é uma brincadeira e não pode continuar sendo tratada com tal.</strong> Em diversos lugares do país, a tortura, estupro e morte de calouros é prática disseminada e “tradicional”. Dá-se abertamente a oportunidade de exercer poder absoluto e, como dizia sabiamente Lorde Acton, esse é exercido absolutamente. Para que não pensem que essa é uma prática dos “interiores dos grotões não-civilizados”, basta ler a <a href="http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-101/questoes-universitarias/na-mira-do-trote" rel="nofollow">aterrorizante e brutal reportagem</a> da Revista Piauí de fevereiro de 2015 sobre os trotes na tradicionalíssima Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O “monstro” é o colega ao lado, futuro médico, prestigiado doutor, salvador de vidas. As vítimas são caladas pela violência física e moral. E o pacto de silêncio é o mesmo que depois cria uma cultura de corporativismo na profissão. Ou será que as duas coisas são completamente separadas no mundo mágico do exercício de uma profissão santificada pela sociedade? </p>
<p>Há um pacto de conivência que precisa ser rompido e mais pessoas devem se manifestar a respeito. Não há nada que redima um trote. Nada. O trote deve ser visto e identificado como aquilo que realmente é: uma prática brutal, selvagem e grotesca, exercida em um ambiente que, mais do que qualquer outro, deve primar pela troca igualitária de ideias e repeito profundo pelo outro. A universidade ainda é um dos poucos ambientes de liberdade de pensamento que relutam em existir em uma sociedade cada vez mais intolerante. Essa não é uma questão menor: o trote reflete um micro-cosmo de problemas brasileiros que é cristalizado em uma prática que é vista como inofensiva ou desimportante. Já passamos da hora de tornar adulta a discussão e deixarmos de ser condescendentes com a intolerância e o exercício sádico do poder. </p>
<p>Há alguns anos, vem havendo a nobre tentativa de se transformar a natureza do trote, fazendo com que os calouros doem alimentos ou doem para bancos de sangue. Não vejo por que ligar isso aos trotes e práticas criminosas. É só organizar campanhas de início do semestre e chamar toda a comunidade universitária a se engajar. Tampouco compro o argumento de que deva ser compulsório. Há pessoas que não querem doar e isso é um problema delas.</p>
<p>De qualquer modo, ingenuamente, gosto de pensar que, em alguns anos, possamos dar aos nossos alunos (que são, no fim, a razão pela qual a máquina continua) a proteção que merecem onde isso mais importa: em suas integridades física e mental, assim como o ambiente comunitário no qual, com muito custo pessoal, tiveram a chance de ingressar. Não é pedir muito. É apenas o correto. </p>